quinta-feira, 13 de maio de 2010

PARA LER E PENSAR II - AUGUSTO DOS ANJOS

Que vejamos beleza, arte e poesia nas pequenas obras da existência (Fábio Menen)
A VITÓRIA DO ESPIRITO
Era uma preta, funeral mesquita,
Abandonada aos lobos e aos leopardos
Numa floresta lúgubre e esquisita.
Engalanava-lhe as paredes frias
Uma coroa de urzes e de cardos
Coberta em pálio pelas laçarias.
Uma vez, aos lampejos derradeiros
Das irisadas vespertinas velas,
Feras rompiam tolos e balseiros.
E pelas catacumbas desprezadas,
Mochos vagavam como sentinelas,
Em atalaia às gerações passadas!
Um crepúsculo imenso, nunca visto
Tauxiava o Céu de grandes roxos
Da mesma cor da túnica de Cristo.
Fulgia em tudo uma estriação violeta
E um violáceo clarão banhava os mochos
Que em torno estavam da mesquita preta.
Já na eminência da amplidão sidérea
Como uma umbela, se desenrolava
A esteira astral da retração etérea.
Os astros mortos refulgiam vivos
E a noite, ampla e brilhante, rutilava
Lantejoulada de opalinos crivos.
Súbito alguém, o passo constrangendo,
Parou em frente da mesquita morta...- Um vento frio começou gemendo.
Era uma viúva, e o olhar errante, a viúva,
Em passo lento, foi transpondo a porta,
Eternamente aberta ao sol e à chuva.
A Lua encheu o espaço sem limites
E, dentro, nos altares esboroados,
Foram caindo como estalactites
Sobre o ouro e a prata das alfaias priscas
Um dilúvio de fósforos prateados
E uma chuva doirada de faíscas.
Fora, entretanto, por um chão de onagras
Vinha passeando corno numa viagem
Um grupo feio de panteras magras.
E havia no atro olhar dessas panteras
Essa alegria doida da carnagem
Que é a alegria única das feras.
E ardendo na impulsão das ânsias doidas
E em sevas fúrias, infernais ardendo
Todas as feras, as panteras todas
Avançam para a viúva desvalida.
E raivosas, contra ela, arremetendo,
Tiram-lhe todas ali mesmo a vida.
Morria a noite. As flâmulas altivas
Do sol nascente erguiam-se vermelhas,
Como uma exposição de carnes vivas.
E iam cair em pérolas de sangue
Sobre as asas doiradas das abelhas,
E sobre o corpo da viúva exangue.
A Natureza celebrava a festa
Do astro glorioso em cantos e baladas- O próprio Deus cantava na floresta!
Nos arvoredos rejuvenescidos,
Estrugiam canções desesperadas
De misereres e de sustenidos.
Além, entanto, na redoma clara
Que envolve a porta da região etérea,
O espírito da viúva se quedara
Ao contemplar dessa fulgente porta
E dessa clara e alva redoma aérea,
No desfilar de sua carne morta
A transitoriedade da matéria!
GOZO INSATISFEITO
Entre o gozo que aspiro, e o sofrimento
De minha mocidade, experimento
O mais profundo e abalador atrito...
Queimam-me o peito cáusticos de fogo
Esta ânsia de absoluto desafogo
Abrange todo o circulo infinito.
Na insaciedade desse gozo falho
Busco no desespero do trabalho,
Sem um domingo ao menos de repouso,
Fazer parar a máquina do instinto,
Mas, quanto mais me desespero,
sinto a insaciabilidade desse gozo!
MARTÍRIO SUPREMO
Duma Quimera ao fascinante abraço,
Por um Cocito ardente e luxurioso,
Onde nunca gemeu o humano passo,
Transpus um dia o Inferno Azul do Gozo!
O amor em lavas de candência d'aço,
Banhou-me o peito...
Em ânsia de repouso,
Da Messalina fria no regaço,
Chora saudades do terreno pouso!
Como um mártir de estranho sacrifício,
Tinha os lábios crestados pela ardência
Da luz letal do grande Sol do Vício!
E mergulhei mais fundo no estuário...
Mas, no Inferno do Gozo, sem Calvário,
Cristo d'amor morri pela inocência!
Fábio Menen

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